quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Pythonianas: O sketch do escritório - Tiago Salviatti

Numa mesa de escritório, simples, sem muitos detalhes, além de uma infindável pilha de papel. Atrás dela um homem típico, comum até o último sentido da palavra, empunhando um carimbo, com o qual martela os papéis de um lado para o outro. Ele usa um terno tão típico, surrado e simples que dificilmente vá diferir dos milhões de ternos típicos, surrados e simples que tanto se vê por aí. O cenário é bastante comum, no qual milhares e milhares de nós já perderam milhares e milhares de horas precisando e procurando o formulário 12-B que precisa do carimbo e firma reconhecida por dois cartórios, mas é preciso deixar claro que pessoas, lugares, situações e nomes são apenas para efeitos de uma obra de ficção, qualquer semelhança é (ou não) coincidência.
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No coração da África Central. Brasília. Dezesseis horas... Não, dezesseis horas não teria ninguém.... Catorze Horas... (Quer saber o melhor é ser honesto) DEPOIS DO ALMOÇO. Quinta-feira.
O burocrata em seu habitat natural, um dos maiores mistérios da natureza.
Sentado em sua mesa fosca e sem vida, encontra-se o burocrata, vivendo calma e pacificamente, em meio ao seu meio de subsistência primário: o papel.
Observe como ele se refestela com essa pequena resma, batendo com seu carimbo, que seu pequeno cérebro utiliza como talher.

Especula-se que na ocorrência de uma guerra nuclear, ao lado das baratas, somente os burocratas sobreviveriam. Cientistas acreditam inclusive que os burocratas são capazes de sobreviver por mais tempo, apesar de nenhum dos estudos realmente confirmar que baratas realmente se suicidem na presença de um burocrata (nem mesmo as dezenas de cartas suicidas assinadas encontradas todos os anos).

A reprodução dos burocratas é um fenômeno bastante estudado por diversos especialistas, que, nas últimas sete décadas foram completamente incapazes de presenciar nenhuma ocorrência da mesma, apesar do alarmante crescimento da espécie, principalmente em países em desenvolvimento com abundância de processos complexos para resolver problemas simples.
O biólogo austríaco Hans MacNamara, que estuda os burocratas desde sua formação há quatro décadas, acredita que a explicação para a profusão da espécie seja bastante simples, e suas teorias vem sendo bem aceitas entre os demais especialistas. Segundo Macnamara, o carimbo, este instrumento tão comum e corriqueiro de que tão poucos estudaram, é o órgão sexual, responsável pela reprodução cruzada das espécies, que valem-se da troca dos mesmos, incluindo as licenças afastamento decorrentes e preenchidas em três vias de igual valor entregues ao departamento pessoal.
Phil Hartman, da universidade de Chicago, porém, discute a integridade dessa descoberta, e acredita que na verdade a reprodução da espécie deva-se à mitose celular.
Até o presente momento, ambos os estudos são inconclusivos, aguardando liberação de verbas para a continuidade de pesquisas, preenchida e protocolada em cinco vias, a amarela, a azul, a branca, a rosa e uma de cor ocre, que, por algum motivo não se encontra disponível nas universidades, e alega-se que seja a via mais importante das demais, e insubstituível.

Preocupada com a proliferação dessa praga, a Manchester international inseticide pesticide corporation S/A, lotada em Itu, lança o novo produto Burocida, com tecnologia inovadora e revolucionária.

Enquanto os burocidas comuns agem somente na fonte, eliminando um burocrata por vez, o burocida Manchester vai mais longe, fazendo com que o burocrata leve o veneno para seu ninho, e, com isso ponha um fim ao problema.(O burocrata pega uma caixinha que estava em sua mesa, olha para os lados, e afasta-se ao lado do palco, onde cai, morto, e retorcendo-se).
Burocida Manchester, você conhece, é de qualidade.

O Ministério da Saúde adverte:O uso simples de Burocida pode causar cegueira, câncer, cancro, sífilis, e mais duzentas doenças que a empresa contesta a associação, apesar de toda sua divisão de pesquisas do produto ter morrido por causas misteriosas. Antes de usar, consulte a bula, e coloque equipamento de proteção para manipular equipamento nuclear.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

A todos os amigos...

"Não me importa a cor dos seus olhos, mas me importa a frequência com que você sorri.
Eu acredito que somos mais que corpos e curvas e cores, somos uma mistura de algo palpável, que preenche um abraço, que aquece, e de algo mágico e que nos torna únicos, talvez aquilo que os místicos chamam de ‘alma’.
Eu vejo além da pele, eu quero o que é real.
Me conforta contemplar um sorriso, bem como uma tristeza, porque assim eu sei que você é como eu, que não deixa de chorar quando tem motivo, nem de rir quando tem vontade.
Eu não estou à venda, nada do que você tem me atrai, eu quero o que você é.
Não me mostre os seus atributos, as suas qualidades, as suas conquistas, me mostre algo real, humano, um erro, um arrependimento.
Não tente ser agradável, não tente me impressionar, nós não precisamos gostar das mesmas coisas, nem pensar do mesmo modo pra ser felizes juntos.
Vamos compartilhar o que temos em comum e, principalmente, vamos aprender com o que temos de diferente.
Esteja perto sempre que puder, mas esteja longe na medida certa: o suficiente para que eu sinta sua falta, mas não demasiado, a ponto de que eu te esqueça.
Deixe o futuro pra amanhã, o hoje é a única certeza que temos.
Não desperdice uma noite de chuva, nem um dia de sol fazendo planos pra daqui a dez anos, porque até lá, você não será mais o mesmo, não terá os mesmos objetivos e os planos terão sido em vão.
Não se preocupe, o tempo nos ensinará o que precisamos saber.
Apenas seja, deixe estar e siga em frente… ".
 
Juliane Carla

ONTEM EU ATÉ DORMI! - Julio Lins

Algo tirava o sono de Benedito Bastião, todos estavam preocupados. Seu Bené, como é conhecido por todos no Banco, era sujeito pacífico, daquele tipo que faz amizade até em fila de supermercado. Outro dia brigara com Zefinha, sua “patroa”, porque depois de dividir algumas cervejas com um desconhecido no bar da esquina, como todo bom brasileiro, disparou na despedida: “qualquer dia desses apareça lá em casa pra gente tomar uma gelada e bater uma feijoada”.Até aí tudo bem, o problema é que o ilustre desconhecido foi! Pode uma coisa dessas? Zefinha ficou jururu. Não é pra menos, em tempos de crise a frase certa seria: “qualquer dia desses eu apareço na sua casa...”.

E quanto ao sono de Benedito? Pergunta-me o impaciente leitor. Calma! Afinal de contas, como diriam os sábios, a paciência tudo alcança, ou ainda, os calmos herdarão a terra; paciência é sinônimo de sabedoria. Tem também aquele outro que diz...

A essa altura o leitor já rasgou o papel. Aqueles mais impacientes pularam da ponte ou talvez debaixo do trem. Temendo pela minha vida e não querendo sentir remorso ou ser processado por qualquer incidente que ocorra, voltarei a seu Bené e o que tirava seu sono.

Seu Bené nem formiga pisava, mas ai de quem dissesse, sequer pensasse que existia um som mais potente, ou como se diz no ramo mais “porradão” que o do seu carro. Aliás, entre os que disputam esse esporte, carro é o que menos importa. Na verdade o automóvel é apenas o meio de transporte das toneladas de equipamento sonoro, levando de bar em bar as músicas que falam das "dores e agruras do coração de quem ama".

Pois bem, de uns tempos pra cá a tristeza no semblante de Seu Bené era percebida por todos; no Banco, na rua onde morava, e até as amigas de Zefinha já comentavam na igreja.

Antes de mais nada, seria propício esclarecer ao atento leitor, que o Banco não é o local de trabalho do nosso personagem há muito aposentado por invalidez pelo Estado, e sim o nome do seu bar preferido. Por sinal o Banco fica distante duas casas de onde este insone (e talvez insano), humilde e devotado amigo vos escreve e contempla seus dias e noites desta vida passageira.

Seria alguma doença grave? A morte de algum parente? Ou perdera seu dinheiro numa aposta? Nada disso. A história é mais triste do que se pode supor e tem requintes de crueldade insuperáveis pelo pior dos criminosos. Crianças saiam da sala!

Era uma sexta-feira por volta das nove horas post meridiem, chegara ao Banco como fazia todos os finais (e meios) de semana, Julio Iglesias anunciava sua presença por todo bairro. Seu Zé, dono do bar, poupava o som ambiente para evitar comparações. O nosso herói desceu do carro e começou a “virar” copos de cerveja intermediados por alguns saudáveis aperitivos.

Aumentei o volume da TV, fechei as janelas, ritual sagrado para todos da rua. Seu Bené vez por outra parava a conversa (que variava entre futebol e futebol) e chamava atenção dos amigos para a música que ele achasse “porreta” acompanhando alguns versos da mesma. Mais tarde de volta ao futebol, ouviu-se um barulho de vidros estilhaçando e um silêncio nunca visto antes.

Levantando-se rapidamente da mesa, seu Bené segundo contam, correu na direção de seu carro em frente ao bar e ainda conseguiu avistar o vulto do meliante virando a esquina com seu tocador de cd’s importado. Eram umas onze horas. – “De quebra aquele ser desumano ainda levou algumas preciosidades da música desse século” – dizia uma das testemunhas alcoolizadas...

Seu Bené era só desolação; não teria como comprar tão cedo outro som daqueles; sua vida social estava arruinada. – “O desgraçado não deixou nem terminar a música do Reginaldo...”. Seu grito ecoava pelos ares.

O mundo ficou em paz.
(Pausa para contemplar o silêncio)

Pessoas assistem TV e há mais diálogo em família agora que se escutam. Rostos felizes, janelas abertas, ouve-se o vento passar... Ontem eu até dormi! Seu Bené não é mais feliz.

Por sinal tem alguém aí interessado em um tocador de cd’s importado de segunda mão? Ta novinho novinho...