terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Madrugada de desejos difusos - Edison Lotério





 
são três horas da manhã quando chego. Na escuridão do prédio caminho com segurança, sem vacilo, para o meu quarto; abro a porta e ando no escuro até o canto que me serve de cozinha, coloco os pacotes que tenho no bolso em cima da pia, apanho a garrafa e tomo mais um gole. Está quente, o quarto abafado, mas não abro as janelas e fico ali ouvindo o silêncio, até cochilar em pé. Deito-me na cama que ocupa a maior parte do quarto, mas não consigo dormir. Sons abafados chegam e se misturam, confusos, até ouvir as batidas na porta
escutei quando chegava, os passos no escuro, arrastados, bêbados. Estava sentada na cama, o copo de bebida vazio nas mãos, sem conseguir dormir com o calor, a luz do abajur iluminando o quarto arrumado. Escutei abrir a porta e os suspiros por detrás das paredes, no silêncio das três horas da madrugada
abro-a sem imaginar quem pode ser e ela está ali, com uma garrafa e copos com gelo, também no escuro, sorri e diz que não consegue dormir, sorrio e a deixo entrar e sentamos na cama, a garrafa no chão, ela pede para acender a luz, mas está queimada, você se acostuma, digo
coloco mais bebida no copo, sinto os cabelos molhados na nuca, levanto e pela janela olho a rua deserta, volto-me e olho o quarto vazio, arrumado, o que fazer em mais uma madrugada em claro, em mais um dia em claro. Esvazio o copo, coloco gelo nele e em mais um, pego a garrafa e saio pelo corredor até a porta ao lado, bato de leve e ele a abre, os olhos intrigados por me ver
vejo-a na penumbra e não sei o que dizer, conheço-a apenas no cruzar dos corredores, a mulher do quarto ao lado, sempre com a luz acesa, arrumando e limpando durante toda a noite. Vejo apenas o esboço de seu rosto, cabelos e olhos longos, a voz rouca emplastada pela semi embriaguez, me diz algo sobre o marido estar longe a muito tempo
o quarto não tem luz e eu mais sinto que o vejo, o hálito quente de bebida e cheiro de suor misturado a cigarro, sentamos na beirada da cama, coloco bebida nos copos, e sem o ver falo das ausências, da viagem do meu marido, ele me olha, seus olhos não dizem nada, apenas me olham e sorri, diz que temos muito em comum e fico pensando no quê, além do gosto pela bebida
ela tem a conversa fácil, o que é bom pois não preciso dizer nada e a sua presença é leve e inconseqüente, como estas horas da madrugada, com o álcool a me amolecer, o pensamento volátil, a vontade de não me preocupar com nada, não lembrar da manhã que vêm
peço um cigarro, ele remexe nos bolsos e me passa um e ao acender o fósforo o clarão machuca meus olhos, ele tem razão, me acostumei a obscuridade, ele também pega um cigarro mas o acende no meu
o suor escorre pelo meu rosto e vejo que os cabelos dela, nas têmporas e no pescoço também estão molhados, o gelo nos copos já se desfez e percebo o silêncio quando ela para de falar, o silêncio daquela hora da madrugada quente, deixo o cigarro cair no chão e a puxo contra mim, ela vêm
apago o cigarro no copo e o coloco no chão junto a garrafa vazia, a janela fechada faz com que a fumaça do cigarro fique circulando pelo quarto e eu o observo em silêncio, pensando no que estou fazendo ali, naquela madrugada, com aquele homem embriagado e quieto, em um quarto sem luz em um prédio perdido naquela cidade gigantesca e quente
sinto sua boca se abrindo, sinto o cheiro de sabonete em seu pescoço, deito-a na cama desarrumada
ele me puxa e me deita na cama
abraço-a sem a querer, mas estamos sozinhos na solidão das três horas da manhã
sinto seus braços me apertando, sua boca na minha, passo a mão pelas suas costas e olho a escuridão sem desejo das três horas da madrugada