quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

A teia

Num desses dias preguiçosos em que nada parece agradar, estava eu com um paradoxal dilema: Uma incontrolável vontade de fazer alguma coisa, mas uma inegável inércia por começar a fazê-la.
Peguei um livro. Li uma página. Duas. Mudei minha posição na cadeira. Mudei o travesseiro. E, menos de dez irriquietos minutos depois resolvi desistir e buscar algo diferente. A chuva, fina porém contínua foi suficiente para me fazer desistir de uma caminhada e outras atividades similares.
Vasculhei alguns cadernos, pensei em escrever, e, com um branco tão alvo que faria sucesso em propagandas de sabão em pó, fiquei minutos rabiscando figuras abstratas e matutando jogos da velha que disputava comigo mesmo. Logo, como tudo mais que veio antes – incluindo aí todas as coisas que fariam deste texto uma versão ampliada de Os Lusíadas – parti para a mais prudente e coerente opção num dia como esses: Dormir.
Um cantinho calmo e tranqüilo, com a janela aberta para sentir a brisa e ouvir com maior clareza o som da chuva – não mais tão fina – que além de minha inquietação, parecia a única constante daquele dia. Mantive os olhos fechados por uns minutos. Virei prum lado, virei pro outro. Coloquei um travesseiro sobre o rosto. Mudei de lado da cama... E desisti.
Abri os olhos e fiquei ali, quietinho olhando pro vazio, sem procurar nada, sem pensar em nada, sem querer nada. E vi, bem no canto superior na interseção das paredes uma pequena aranha, movendo-se delicada e precisa, contínua e eficaz na manufatura de sua teia.
Não sei quando ou como, mas notei um sorriso em meus lábios, quase involuntário, e, também pude perceber que minha agitação se fora, e fiquei ali olhando por quanto tempo durou ou posso notar, o tecer daquela minúscula aranha, contínua e constante.
Quando adormeci, que não posso precisar se foi logo ali na seqüência ou mais à noite, quando eu deveria dormir realmente, sei que aquela pequena passagem me acompanhou pelos reinos oníricos, de uma forma menos literal. A pequena aranha ainda estava ali, é verdade, mas não era uma teia que ela manipulava. Ela era uma de milhares ou dezenas de milhares pequenas aranhas, entrelaçando... Idéias.
Produzindo o fino tecido do qual as idéias são feitas, e tornando-as mais complexas e entrelaçadas, até o ponto em que parecem não mais precisar de seus autores para crescer.

***
Faz algum tempo que isso ocorreu, algumas liberdades poéticas podem (e provavelmente devem) ter sido tomadas, e, realmente também não sei porque a idéia só me voltou à mente agora. Talvez a teia esteja terminada...
(Tiago Salviatti Comprou todos os livros de Borges lançados em português, mas duvida que a obra do argentino tenha alguma influência em seus textos).