segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

ONTEM EU ATÉ DORMI! - Julio Lins

Algo tirava o sono de Benedito Bastião, todos estavam preocupados. Seu Bené, como é conhecido por todos no Banco, era sujeito pacífico, daquele tipo que faz amizade até em fila de supermercado. Outro dia brigara com Zefinha, sua “patroa”, porque depois de dividir algumas cervejas com um desconhecido no bar da esquina, como todo bom brasileiro, disparou na despedida: “qualquer dia desses apareça lá em casa pra gente tomar uma gelada e bater uma feijoada”.Até aí tudo bem, o problema é que o ilustre desconhecido foi! Pode uma coisa dessas? Zefinha ficou jururu. Não é pra menos, em tempos de crise a frase certa seria: “qualquer dia desses eu apareço na sua casa...”.

E quanto ao sono de Benedito? Pergunta-me o impaciente leitor. Calma! Afinal de contas, como diriam os sábios, a paciência tudo alcança, ou ainda, os calmos herdarão a terra; paciência é sinônimo de sabedoria. Tem também aquele outro que diz...

A essa altura o leitor já rasgou o papel. Aqueles mais impacientes pularam da ponte ou talvez debaixo do trem. Temendo pela minha vida e não querendo sentir remorso ou ser processado por qualquer incidente que ocorra, voltarei a seu Bené e o que tirava seu sono.

Seu Bené nem formiga pisava, mas ai de quem dissesse, sequer pensasse que existia um som mais potente, ou como se diz no ramo mais “porradão” que o do seu carro. Aliás, entre os que disputam esse esporte, carro é o que menos importa. Na verdade o automóvel é apenas o meio de transporte das toneladas de equipamento sonoro, levando de bar em bar as músicas que falam das "dores e agruras do coração de quem ama".

Pois bem, de uns tempos pra cá a tristeza no semblante de Seu Bené era percebida por todos; no Banco, na rua onde morava, e até as amigas de Zefinha já comentavam na igreja.

Antes de mais nada, seria propício esclarecer ao atento leitor, que o Banco não é o local de trabalho do nosso personagem há muito aposentado por invalidez pelo Estado, e sim o nome do seu bar preferido. Por sinal o Banco fica distante duas casas de onde este insone (e talvez insano), humilde e devotado amigo vos escreve e contempla seus dias e noites desta vida passageira.

Seria alguma doença grave? A morte de algum parente? Ou perdera seu dinheiro numa aposta? Nada disso. A história é mais triste do que se pode supor e tem requintes de crueldade insuperáveis pelo pior dos criminosos. Crianças saiam da sala!

Era uma sexta-feira por volta das nove horas post meridiem, chegara ao Banco como fazia todos os finais (e meios) de semana, Julio Iglesias anunciava sua presença por todo bairro. Seu Zé, dono do bar, poupava o som ambiente para evitar comparações. O nosso herói desceu do carro e começou a “virar” copos de cerveja intermediados por alguns saudáveis aperitivos.

Aumentei o volume da TV, fechei as janelas, ritual sagrado para todos da rua. Seu Bené vez por outra parava a conversa (que variava entre futebol e futebol) e chamava atenção dos amigos para a música que ele achasse “porreta” acompanhando alguns versos da mesma. Mais tarde de volta ao futebol, ouviu-se um barulho de vidros estilhaçando e um silêncio nunca visto antes.

Levantando-se rapidamente da mesa, seu Bené segundo contam, correu na direção de seu carro em frente ao bar e ainda conseguiu avistar o vulto do meliante virando a esquina com seu tocador de cd’s importado. Eram umas onze horas. – “De quebra aquele ser desumano ainda levou algumas preciosidades da música desse século” – dizia uma das testemunhas alcoolizadas...

Seu Bené era só desolação; não teria como comprar tão cedo outro som daqueles; sua vida social estava arruinada. – “O desgraçado não deixou nem terminar a música do Reginaldo...”. Seu grito ecoava pelos ares.

O mundo ficou em paz.
(Pausa para contemplar o silêncio)

Pessoas assistem TV e há mais diálogo em família agora que se escutam. Rostos felizes, janelas abertas, ouve-se o vento passar... Ontem eu até dormi! Seu Bené não é mais feliz.

Por sinal tem alguém aí interessado em um tocador de cd’s importado de segunda mão? Ta novinho novinho...


Um comentário:

  1. Boa. Até fiquei com pena do senhorzinho...

    Um abração, e amanhã eu mando uma nova (se eu não criar vergonha de aprender a postar por conta própria).

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