sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Dirigido por Sergio Leone - Tiago Salviatti

Meio dia. Sol a pino, ruas desertas, pessoas se escondendo e fitando a vindoura tragédia.
Os dois medem-se, entreolham-se furiosos.
O ar está elétrico.
Corações pulsam em ritmo acelerado. Os poucos curiosos fitam, apreensivos, cientes do banho de sangue que está por vir.
Há medo e fúria, e até o sol parece se esconder atrás de uma nuvem.
Sem maiores cerimônias, começa.
_ Os discos do Beatles são meus!!! - dispara Rosana 'the Kid' Saldanha, com toda a ferocidade, acertando apenas de raspão.
_ Tudo bem... Mas o livro autografado pelo Saramago é meu! - rebate Pedro 'Tex' Gomes.
As balas continuam a voar, de um lado pro outro, de outro pra um, cada vez mais perigosas e assassinas. Cada vez atingindo em partes mais vitais.
Os copos de cristal. A prataria. As jóias. O carro!
Há uma pausa, um interlúdio para o derradeiro embate. Ainda tinham uma ou outra bala no coldre, e sabiam que precisavam valorizar esta oportunidade. E a cavalaria chega.
_ Seu marginal! O que você está fazendo com minha filha! Antes de você aparecer nós eramos uma família...
E logo os índios.
_ Vai tomar no olho do seu **, seu b****! Se fica só achando que vale mais do que a gente? Seu *****!!!
Um conflito sangrento e violento que não parecia perto de seu fim, ou seu ápice.
Há silêncio. As balas param, não há mais conflito. Não há mais nada.
O vencedor parte, ainda cambaleante, rumo ao horizonte.


E sobem os créditos, ao som de Ennio Morricone

Foto da Galera - Tiago Salviatti

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

NO REINO DAS ÁGUAS - Julio Lins

No Reino das águas dançavam alegremente ao sabor das correntes e marés, Branco e Dourado.
Assim estava disposto a começar se fosse um conto infantil. Descreveria o mundo encantado, borbulhante, porém inabitável para alguns de nós, mamíferos de nascença. Digo isso porque entre nós se escondem amebas e protozoários muitíssimo disfarçados e bem vestidos.

O problema é que este não é um conto infantil, portanto digo apenas que no aquário da minha casa há dois peixes e isso me inquieta pela responsabilidade implícita. Na verdade a vizinha do 303 viajou e pediu para que cuidássemos deles até a sua volta “não dá trabalho nenhum” afirmou convicta. Seria eu capaz de cuidar de dois seres indefesos?

O aquário ao qual me refiro não passa de uma tigela de vidro (acho que de colocar macarronada) e para evitar alguma contaminação, coberta com um cobertor de bolo branco, sabe aqueles bem baratos de loja de importados do Paraguai? Pois é esse mesmo. Para completar, o fundo foi coberto de pedras coloridas com o intuito de garantir a “veracidade” do ambiente, talvez obra de algum decorador “fashion”. Lamento informar, mas nas minhas andanças por esse mundinho nunca vi pedras coloridas com estas no mar.
   
Mas instruções foram deixadas e bem claras. Escritas em letras garrafais, repousando ao lado do aquário, são as tábuas das leis: colocar a ração (essa tem cheiro de sardinha podre), menos que uma pitada (?!) duas vezes ao dia. Vocês não acreditariam como comem pouco esses peixes. Além disso, tenho que trocar a água a cada três dias, missão esta que não me agrada muito visto que, da última vez, o vermelho quase se foi pelo ralo da pia ao encontro do mar. E isto basta para mantê-los vivos.

Nesse habitat surreal vivem agora sob minha tutela esses dois peixinhos... O Dourado chamado dessa forma por causa da sua cor de metal precioso.  Talvez por saber disso descansa como um rei no fundo do pote, observando pacientemente o agitado Branco, supracitado. Tenho aqui minhas ponderações científicas e acho a inquietude do Branco típica de quem já percebeu que o mundo ultrapassa as paredes de vidro. Um lago, um rio talvez ou quem sabe, um mar.

Eu, caríssimo amigo me identifico mais com o Branco. Acho que meu aquário poderia ser maior e talvez  eu me perdesse na imensidão do oceano azul cor de minha alma. Quanto ao Dourado oferece menos trabalho, tudo bem, mas sua acomodação deixou-me profundamente entediado... No que ele pensa enquanto respira?

Com o passar dos dias depois de muitas trocas de água, foi crescendo em mim sentimentos nada nobres e característicos daqueles que detém o poder de fato: a prepotência e o sadismo. Eu, homem simples e de reflexão sou o deus do aquário! A vida e o destino dos dois estão nas minhas mãos. Colocar um pouco menos de comida e bye bye, adeus peixinhos!!! Ou então “esquecer” de trocar a água e vê-los perder o fôlego lentamente.

Peço calma ao leitor, pois não o farei. Se esse texto não é infantil não significa que vou transformá-lo numa carnificina dos filmes de terror e jornais da tarde. Já tomei meu remédio controlado e aqueles impulsos sumiram que foi uma beleza.

Mas minha calma se desfez ao ouvir o "blim blom". Era chegada a hora, e assim como o feriado, a estada do aquário na minha casa acabou. Minha responsabilidade diária se foi e sinto um vazio no meu peito. Sinto que estou passando mal... Uma falta de ar crescente...
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Acordei no meio da madrugada e a falta de ar continua. Passo a mão no pescoço, pois algo me incomoda, sinto uma ferida aberta atrás da orelha, abro a porta e me ponho a correr por instinto na direção do mar, de súbito, mergulho no Porto da Barra. Respiro melhor. Meus pés viraram barbatanas e me ponho a nadar pelo Atlântico-Sul. Se for um sonho alguém me belisque por favor, do contrário adeus às pessoas amadas. Vou à procura das pedras multicores.