quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

AMANHÃ EU DEVOLVO - Julio Lins



Quando éramos todos índios, apesar das inconveniências de ter que dormir em rede, éramos felizes. Tempos depois com o advento das paredes, das casas e edifícios, a humanidade criou, e ainda não aprendeu a conviver com um de seus maiores problemas: o vizinho.

Na tribo nada era próprio. Por isso nada podia ser emprestado. As tribos acabaram, viramos seres civilizados cada um na sua própria oca (nem todos tiveram essa sorte). Em algum momento da nossa história o que era parente se tornou vizinho. Este por sua vez começou a perceber que não precisava comprar tudo o que queria nas feiras do seu vilarejo. Bastava ir a casa ao lado. Foi aí que a verdadeira história começou.

Vizinho é aquele que mora ao lado da gente. Porém existem dois tipos mais incomuns: o de cima; aquele que a gente só lembra quando ele faz uma festa, e o de baixo; o que a gente não lembra de jeito nenhum a não ser quando ele reclama do vazamento no banheiro.

Mas o conceito de vizinho vem evoluindo. Segundo os estudiosos em vizinhologia deixou de ser apenas uma pessoa que mora contigüamente a nós para todo aquele, que por algum motivo cultural, bate na sua porta nas horas mais inconvenientes pedindo “emprestado” o que já é esperado: açúcar, sal e até pra tomar conta do filho dele enquanto ele vai “ali e volta já”.

Ora! Mas o atento leitor talvez tenha percebido que esta definição acima se confunde com as características encontradas nos amigos e parentes, com a diferença que estes pedem coisas menos incômodas como dinheiro, cartão de crédito, o carro etc. – tem razão, mas como já foi dito, o conceito está ainda em evolução.

O estudo não para por aí. Sabe-se também que existem vários níveis dessa doença. O mais avançado é aquele que já se acha amigo e às vezes faz uma visitinha social só pra demonstrar desinteresse. Nesta visitinha ele ou ela faz um inventário mental de todos os objetos emprestáveis não imprestáveis, para pedir na próxima aparição.

Relativo a este, nenhuma das táticas, como dizer que já está saindo, que está com uma dor de cabeça daquelas e, a mais utilizada, se fingir de morto, não funcionam. Vou explicar: o experiente indivíduo em questão sabe todos os seus horários, leva um analgésico sempre no bolso, ou então se for preciso toca a campainha até fazer os mortos ressuscitaram.

Geralmente esta criatura especial na hora de pedir atua como se tivesse sido pego de surpresa. Qual de nós, cidadãos indefesos já não fomos vítimas de tal ardil? “Oi tudo bem? É que eu ia fazer um bolo e na hora eu percebi que faltava farinha, manteiga, ovos e a batedeira... cê tem pra me emprestar aí?... amanhã eu devolvo”.Como se existisse amanhã em seu calendário.

A verdade é que não fomos ainda treinados para nos defender. Portanto caro amigo, da próxima vez que tocarem sua campainha, abra a porta com um sorriso e atenda bem o seu cliente, lembre-se que seu açúcar pode acabar e que você também é o vizinho de alguém.

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